04 setembro 2009

Tem o Seguinte

(Pablo Martins)

Que é que tu foi falar com o Freud
Se avisei que era pra olhar no Jung
Que é que tu foi tirar Caetano
Se eu gritei que era pra tocar Raul

Pra quê botamão na bola
Se eu mostrei que dava pra matar no peito
Pra quê foi mexer no corpo
Se era dentro d’alma que tava o defeito

Quem mandou preparar a polícia
Se era uma questão de socorrer o bandido
Meu amor, a piada passa
E se acaba a graça
A gente ta é perdido

E depois tem o seguinte:
Aqui é 110
Eu sou 220

Que é que tu foi morar no mar
Se eu sonhei que era pra esperar na lua
Que é que tu foi comprar vermelho
Se no espelho eu fico bem melhor de azul

Pra quê dabalão na bola
Se eu mostrei que dava pra sair jogando
Pra que foi mexer no fogo
Se era dentro d’água que eu tava cantando

Quem mandou procurar o artista
Se o que dá revista é levantar o vestido
Meu amor, a batida cansa
E se acaba a dança
A gente ta é fudido

Além do mais tem o seguinte:
Aqui é 110
Eu sou 220

Nunca

(Pablo Martins)

Larga
Larga e nunca mais
Mete as mãos aqui
Nunca mais as mãos aqui
Foge
Foge e nem a pau
Pisa os pés aqui
Nem a pau os pés aqui
Passa
Passa sem pensar
Em voltar aqui
Nem pensar voltar aqui

Quero que tu durma
Apesar do som da turma não ter inspiração
Pra te ver dormir
É bom que a gente enjoe e se jogue do navio
Ou então
Salte do avião

Nunca
Nem que a vaca tussa
Nem que tu entristeça
Sobre o leite abandonado
Nada
Nem que a terra coma
Nem que o cristo caia
Sobre a areia da praia
Some
Quebra a cara e some
Pega, mata e come
E esquece que esteve aqui

Quero tu sonhando
Apesar do rei do bando não ter coração
Pra te ver sonhar
É bom que a gente embale e atropele o imbecil
Ou então
Mate o grande irmão

Assim Assada

(Pablo Martins)

Hoje eu acordei tão cedo
Eu to tão cansada
Eu ando meio assim
Vou me demitir do mundo
Eu vou é cair no samba que tu fez pra mim
Que tu fez só pra mim
Que tu pra mim fez só
Que só tu fez pra mim
Que pra mim tu fez só

Eu já levantei grilada
Eu ando assim assada
O meu sonho empedrou
Vou abandonar o barco
E é pra cair no circo que tu me armou
Que tu que é tu ne armou
Que tu me armou que tu
Que tu que tu quetu
Que tu quieto me armou

Eu queria ter a vida
Que o deus da vida
Me ensinou a ver
Mas é sempre a mesma luta
Esse bando de rato que quer me roer
Ratu ratu ratu

Tava aqui inventando a roda
Quando entrou a fada
E me levou o refrão
Bruxa, a fada fez que sim
Que é pr’eu cair no samba que te fez pra mim
Que te fez só pra mim
Que te fez só fez só
Que te que te quiti
Que te

Eu com a minha cara

(Pablo Martins e Paulo Pappen)

Eu com a minha cara de pau
Bem que eu poderia ser o tal
Dar notícia, cantar no jornal
Censurar, julgar o genial

Eu com a minha cara de mau
Bem que eu poderia ser igual
Mais um sócio do Internacional
Generalizar o marginal

Mas eu sou a puta que caiu depois pariu na contramão
Só que eu sou o bêbado que bebe do que baba do babão
E no entanto eu canto tanto quanto me permite a situação
Esse samba tido na batida bandida do violão


Eu com essa cara de povão
Bem que eu poderia ser o chão
Do desfile da televisão
Da operação do batalhão

Eu com essa pinta de boleiro
Bem que eu poderia ser o primeiro
Mas já me mandaram pro chuveiro
E depois mandaram o meu zagueiro

Porque eu sou o bêbado que bebe do que sabe do que é bom
Porque eu sou o filho lá da puta que morreu na contramão
E no entanto eu canto tanto quanto me permite a oposição
Esse samba ardido na batida dormida do coração

Eu Não

(Pablo Martins e Paulo Pappen)

Ó mãe, ó mãe
Eu não vou vencer na vida
Eu sei, eu li
Na história resumida
Que eu, ó mãe
Escrevi na minha mão
Depois que tu
Me soltou do teu cordão

Eu não agüento mais não
Não discuto mais não
Com polícia ou professor
Eu não invejo mais
Não me interessa mais não
A conversa do cantor
Eu não duvido mais
Nem acredito em ninguém
Eu não quero ser ninguém
Eu sou sintoma de ti
Fiz um samba pra ti
E tu nunca vai ouvir


Ó mãe, ó mãe
Eu não acho graça nisso
Eu sou, eu só
Esse pobre e podre bicho
Sem paz, nem deus
Esperando a reação
Da dor, ó mãe
Que cansou meu coração

Eu não escuto mais não
Não discurso mais não
Pra freguês ou pra patrão
Eu não preciso de nós
Sou nascente, sou foz
É o que enjoa a minha voz
Quem nesse mundo é feliz
é feliz porque é porco
e outra coisa que eu não sou é porco
eu sou seqüela de ti
fiz um drama pra ti
foi pra isso que eu nasci

O Aquário

(Paulo Pappen)

daqui eu vejo os prédios de frente pro rio
mas não vejo o rio
vejo também os prédios que apontam o céu
mas não vejo o céu
eu sei que o rio vai pro mar
mas não sei onde o mar vai
sei também que o céu pinta o mar de azul
ou de cinza
mas não sei se não é o mar que dá cor ao céu
assim como o sol dá cor à mulher
e a mulher dá cor ao homem

o rio tem ilhas como o prédio tem salas
mas as ilhas são barquinhos
encalhados pelo tempo
enquanto as salas são gavetas
num armário reciclável
e quando o rio crescer e inchar
como alguém com problema de rim
o prédio vai virar ilha
e as ilhas vão ser Titanics
cidades onde os peixes brincam de gente

aí o rio vai juntar com o mar
e o sal vai sair na torneira
as janelas de frente pro rio
vão virar escotilhas
e bêbado de esgoto e óleo
o riomar vai entrar em coma

a polícia vai ser chamada
e a ambulância e a política
e a professora de biologia
e o engenheiro da história pública
e todos vão poder dizer
que era de se esperar
que até a Bíblia já previa
e que finalmente
entramos na Era de Aquário

31 agosto 2009

A Organização Mundial da Vida informa

(Paulo Pappen)

A Organização Mundial da Vida informa:

O trabalho escravo passou a se chamar apenas trabalho. Assim, os escravos deixaram de se chamar escravos, e devem ser mencionados como trabalhadores, funcionários ou colaboradores. Consequentemente, acaba-se também com a idéia de liberdade, que deixa de fazer sentido a partir do momento em que todos são livres. A antiga luta pela liberdade, então, deve ser substituída pela luta pela paz.

As pessoas querem paz, mas acabam ficando livres. E quando querem ser livres, acabam encontrando a paz. A paz, portanto, é inimiga da liberdade. Inimigos são aqueles que brigam pelo mesmo lugar, e a paz é não brigar. Então é a liberdade que impede que a paz exista, porque a liberdade é justiça, e a justiça é luta, briga, pedrada no gigante.

O gigante é a sociedade. A sociedade é cada vez maior, e assim vai aumentando a sombra do gigante. A sombra é a paz do verão. O sol é a liberdade do inverno.

Isso tudo soa desconexo porque é uma tentativa de cruzar linhas paralelas. Até agora, a paz e a liberdade demonstraram ser as mais belas linhas paralelas do destino humano. Não se exclui, porém, a possibilidade de que elas não sejam paralelas e, portanto, um dia se encontrem num x.

Essa possibilidade é alimentada pela esperança, a linha que ziguezaga entre a paz e a liberdade. Nossa linguagem é baseada na diplomacia exercida pela esperança, e é por isso que estamos o tempo todo nos contradizendo. Uma hora queremos paz, e na outra liberdade, mas no fundo só estamos fazendo propaganda pra esperança. A esperança é quando estamos acordados, pensando e falando, o que não traz nenhuma satisfação vital.

Só dormir é satisfação garantida, porque o sono junta a liberdade e a paz. As pessoas morrem de fome, de sede, de frio, de medo e de solidão, mas nunca morrem de sono. É assim que se conseguiu chegar ao século 21: permitindo minimamente o sono.

Permitir é uma palavra ligada à liberdade, de onde se presume que, no fundo, a luta é pela liberdade. Isso porque a liberdade conduz à paz, e a paz não conduz à liberdade.

Mas se são linhas paralelas, como pode uma nos levar à outra?

Calma. Aqui entra outra questão interessante: as linhas são paralelas, não são iguais. A liberdade acredita numa paz vinda com a luta e o movimento, mas a paz não reconhece nenhuma liberdade fora dos seus domínios.

Porque a paz é disciplina, é prever o que pode acontecer e acreditar nessa previsão. E a liberdade é improviso, uma reação diante da reação do outro. Essa é a tendência natural do ser vivo: agir, reagir, se mexer. O pensamento (acreditar, sonhar, falar) é uma característica do animal humano, e portanto lutar pela paz faz sentido apenas para a humanidade. A liberdade é uma luta comum a todos os animais e é por isso que é mais simples. E por ser mais simples, é mais satisfatória.

Mas satisfação não é liberdade e paz ao mesmo tempo?

Exatamente. É por isso que dormir é satisfação garantida: porque se dorme mesmo sem paz, mesmo sem liberdade.

É por isso também que a morte é muitas vezes referida como um sono, o sono, o descanso justo.


A Organização Mundial da Vida informa também que:

Da mesma maneira que se acabou com a escravidão pra se acabar com a liberdade, acabou-se com a censura pra se acabar com a subversão. Quer dizer, oficialmente não faz sentido existirem subversivos, já que não existe uma ordem a ser subvertida. Mas só foi possível acabar com a censura e com a escravidão porque as pessoas aprenderam a se autocensurar, e já estavam com a escravidão na alma.

Quanto ao futuro, pouco se pode saber, mas o fato é que demos aspirina e coca-cola pra todo mundo, e a tendência é que a gente continue zumbizando por aí.

30 agosto 2009

Musificação

(Roberto Lacaze)

Respiro música
Música é vida

Toco a vida
Vida é música

Violão e Voz

(Pablo Martins e Roberto Lacaze)

Quando eu restava sem você chegava bem jor
Jurava sempre minha e eu somente seu jorge
Você toda tom jobim e eu tom zé

Depois daquela sombra aquela assombração
Tu de bruxa eu um lobo mau
Após aquele tempo aquele temporal
Tu na forca eu num paredão

Mas quem sabe a dor desabe por um triz
Ou quem dera a nossa espera ter razão
Pelo visto a nossa força tem raiz
Pelo verso 'o verdadeiro amor é vão'

Quando eu sentava o pau você caía mau tner
Você que sabe mais o que eu apenas sei xas
Quando eu laiá laiá você laia laiê lis
Você franciscaetando eu gilbertogilando
Você todo bob marley e eu dylan

Dentro daquela dor aquela dorival
Tu nem santa eu já nada são
Batendo aquele coro aquele coração
Tu pirata eu perna de pau

Mas quem dera a nossa espera ter razão
Ou quem sabe a dor desabe por um triz
Pelo verso o verdadeiro amor é vão
Pelo visto a nossa força tem raiz

Pelo verso a dor espera e tem raiz
Ou quem dera o amor desabe sem razão
Mas quem sabe a nossa força força o vão
Pelo verdadeiro visto por um triz

Descaracterizará

(Pablo Martins e Roberto Lacaze)

Ela descaracterizará meu samba
Ela descaracterizará
Ela descaracterizará meu samba
Ela descaracterizará

Pelo andar da carruagem
Pelo trote do animal
É que eu fiquei maluca malucando a cuca
A cruz do cidadão

Pela hora da conversa
Pelo canto das gerais
É que eu fiquei danada danando a dona
Maria, o seu joão

E após me desusar, me desabar no chão

Ela descaracterizará meu samba
Ela descaracterizará
Ela descaracterizará meu samba
Ela descaracterizará

Pelo descuido da aparência
Pela carência habitual
É que eu fiquei perdida perdendo a cabeça
Acabando sem ação

Pelo nó na corda bamba
Pelo dito imoral
É que eu fiquei falada falando à toa
Toada da situação

E após me desfrutar, desabafar em vão

Caráter rítmico característico do coração

Ela descaracterizará meu samba
Ela descaracterizará

Sonho de Valsa

(Roberto Lacaze)

Um pouco de atenção
Não é vaidade
Tento provar do mel
Não sou nenhum Napoleão

Escondo o coração
Da crueldade
Vejo a porta do céu
Meu pai é um simples cidadão

Sinto tanto calor
E não me deito ao léu
A casa do amor
Não é de papel

Aprendo a lição
Sem faculdade
Olho detrás do véu
Que envolve toda emoção

Não penso conhecer
Toda verdade

Nicoleoa

(Pablo Martins)

Vou abrir buracos na parede do coração
Deixar as pegadas e os pés
E dormir ali onde meu gato vira leão
E eu sou a rainha das ralés

Estancando na artéria o vazamento da miséria

Quebrar os vidros da janela por onde voará
Aquela voz dos candomblés
E eu que consto em ata gata mansa viro leoa
Comandando os muros e as marés

Estampando em jeito aéreo o movimento do mistério

Flor nesta flor esta em que sou Nicoleoa

Sei de cor a cor, o cara ao lado, cara de pau
Samba cambalhota nos sinais
Sei felina a sina que alucina o carnaval
E arruína a dor dos marginais

Conferindo na esquina o vazamento da menina

Deixar os pés e os pedaços numa emboscada
Desfilar sangrando entre os salões
E no fim, assim, rangendo os dentes numa rosnada
Anunciar que o mundo é dos leões

Confirmando na família o movimento da armadilha
Revelando o filho a filha

Festa na floresta pois eu sou Nicoleoa

Neguinha

(Pablo Martins e Roberto Lacaze)

Quando eu chegar de longe
Cansado de caminhar
Com dedos de borracha
Escravos de trabalhar

Ou se eu chegar de lado
Confuso no caminhar
Com dedos de cachaça
Senhores de batucar

Neguinha, vê se entende
Eu quero mais é sumir daqui
Sumir da dor, sumir do não
Deixar nem cor nem coração

Quando eu pisar na bola
Cansado de não jogar
Serei Mané Garrincha
Com fome de seleção

Ou se eu chover na terra
Doente de não chorar
Serei Luiz Gonzaga
Com sede de alazão

Neguinha, vem vambora
Já não há mais o que esperar
Vem dar no pé, vem dar a mão
Deixar nem luz nem ilusão

29 agosto 2009

E a gente

(Pablo Martins e Roberto Lacaze)

Mas era uma cidadezinha assim sozinha e tal
E aquela pobreza uma tristeza sempre igual
Vez em quando
Aquela dona entrava chorando
Pelos bordéis, na catedral, em pleno camarim
E lá um cantador cantando a dor que não tem fim
E não tem fim e não tem cor
Mas mesmo assim terá o sabor
Daquela velha solidão
Feita de samba e oração
E aquela gente novamente na canção

Pois era uma gurizadinha assim magrinha e tal
E aquela poesia uma alegria sempre igual
Vez em quando
Aquele cara saía sangrando
Pelos quartéis, no futebol, em pleno botequim
E lá um impostor impondo a dor que não tem fim
E não tem fim, não tem valor
Mas mesmo assim terá o amor
Da nossa velha solidão
Do nosso samba feito a mão
E a nossa gente eternamente na canção

A Marcha dos Fulanos

(Pablo Martins e Roberto Lacaze)

Eu, fulano de tal, nascido assim qual erva ruim
Filho do carnaval, batizado a sal e tamborim
Trago as solas do pé, os calos da mão e algum tostão
Pra fazer-te uma fé, comprar-te um amor de Zé-joão

E quando o trem passava varrendo a estação
E aquela moça entrava no meu macacão
Pelo vão

Ai, se o dia acabar
Quem vai me pedir perdão
Vendo o chão que eu pisei
E as marcas no coração

Eu, fulana de tal, carpida assim qual seca sem fim
Embrulhada em jornal, batucada a pau e bandolim
Trago os pregos do pé, as pregas da mão e algum vintém
Pra servir-te um rapé, pagar-te um amor de Zé-ninguém

E quando o trem levava tanta gente só
E aquele moço entrava no meu guarda pó
Pelo nó

Ai, se a noite acabar
Quem vai me pegar na mão
Vendo o pão que amassei
E as manchas no coração

Ai, se tudo acabar
Quem vai nos matar de rir
Vendo a dor nos juntar
E a vida nos redimir

O carnaval e as coisas

(Pablo Martins)

Um pivete apanha o som
Pro turista cochilar
Pro cientista investigar
E explicar-nos o que é bom
É pro discurso estar no tom
E o modelo desfilar
É pro estudante analisar
Que o pivete apanha o som

Um malandro apaga a fé
Pro devoto obedecer
Pro estado acumular poder
E o povo ter samba no pé
É pro povo ter samba no pé
Pro índio aprender inglês
Pra segurança do burguês
Que um malandro apaga a fé

Elas e suas mazelas
Eles e os berloques deles
Ossos com os seus ofícios
Nossos ócios nossos vícios
"isso mesmo é que há de haver mais compaixão"

Há tanta graça, tanta preguiça
São vastas as solidões
Tanta tortura, tantos os tortos
Há tanta ternura
E é tudo música popular

Uma maluca arromba a poesia
Pro capital vender filosofia
Pro samba refutar a teoria
Pro tempo dispensar o ditador
Pra banda cantar coisas de amor
Pro bom entendedor buarquear
É pro modelo desabar
Que um mameluco arromba a poesia

Quem cantará o que a história traduz
Quando estivermos nus pra saber
Quem saberá ler as linhas das mãos
Quando estivermos sãos pra esquecer
Há tanta praga, tanta alegria
São breves as solidões
Tanta saudade, tantos temores
São tantos amores
E é tudo música popular
É tanta pressa, tanta bagunça
É tanta conversa e tanto silêncio

Em Cena

(Roberto Lacaze)

Ando só
Procurando por algum norte
Longe daqui
Conto com minha sorte
E o coração

Olha só
E se for um caminho que me entorte
Quero seguir
Não tenho medo da morte
Que ilusão

Caí, levantei e se me cortei não vi o sangue
Sei lá se um dia eu vou pro céu
Espero que você não se chateie e não se importe
Mas eu vou pois eu quero outro papel
Outro papel

Tento pôr
Um pouco de encanto no que sinto
E no que eu vi
Conto coisas mais belas
Que eu quis viver

Sigo só
Procurando alguém que se desconserte
Quando eu sair
Ventos que sopram mais forte
Aonde ir?

Caí, levantei e se me cortei não vi o sangue
Sei lá se um dia eu vou pro céu
Espero que você não se chateie e não se importe
Mas eu vou pois eu quero outro papel
Outro papel

21 agosto 2009

Os Anos Zero

(Paulo Pappen)

O Século 21 é o irmão mais novo do Século XX. O Século 21 tem apenas 9 anos, e está sozinho no tempo que começou com ele. Foi há apenas 9 anos que Deus zerou o cronômetro e disse “Já”, dando início a mais uma corrida de 100 anos.
O Século 21, diria o pastor da minha igreja, o Século 21 somos nós.
Uma criança que recém começou a acreditar nos adultos, e que recém começou a perder palavras. Nosso modelo ainda é o Século XX, o mano mais velho, herói revolucionário, que cumpriu seu destino e não está mais entre nós. Além disso, perdemos o nosso pai, o Primeiro Milênio, que também morreu no momento em que nascemos.
O fantasma do mano Século XX ainda nos assombra.
“Não precisa ter medo”, ele diz. “Não precisa te sentir culpado pela minha morte. Nem pela do pai. Te preocupa com a tua”
Eu faço de conta que não é comigo e ele continua falando:
“A gente só precisa abrir a cabeça e escutar o que a mãe diz”
Eu gosto desse conselho e espero que o fantasma continue, mas ele some e eu fico aqui viajando.
A vida é uma mãe eterna que fala por todos os poros. A vida é mãe de todos, inclusive de Deus, seu filho mais velho, e também o mais puxa saco. Deus resolveu escrever um romance infinito em homenagem à mamãe, e nos botou todos como personagens. Ele na verdade está escrevendo um livro sobre si mesmo, mas ele é tão bom escritor (sou obrigado a reconhecer) que ele é o único personagem que não aparece. Só aparece através dos outros, quando alguém fala nele, como eu estou fazendo agora.
A vida chega pra nós e diz:
“Não dá bola pro teu irmão, mas presta atenção no que ele fala. O espelho é um falso conselheiro, mas o conselheiro é um falso espelho”
Eu ouço essas coisas e não entendo. Fico por aí vivendo, contando os dias pro pagamento. Aí eu pago as contas, bebo, penso que sou um escravo e boto a culpa nos outros.
A culpa é uma bosta. Uma rua de bosta por onde todo mundo anda. Alguns tem sapatos e conseguem disfarçar a porcaria, mas outros andam descalços e a merda da culpa já faz parte da pele desse pessoal. Essa rua é feita também por outro tipo de merda, o medo. Ninguém sabe onde a rua vai dar, e a caminhada não é fácil pra ninguém, mas a gente continua. Sempre que possível, eu faço uma cara cínica e venho escrever sobre o infinito.
Todo tempo contém todos os tempos, digo eu, no dia 9 do 9 do 9. Sempre que abro os olhos eu vejo a fila de tempos fantasmas crescer como uma onda gigante. Sinto que sou parte da onda e relaxo curtindo a maresia.
O futuro não é novidade. A gente sabe de tudo, mas em vez de fazer do mundo um lugar melhor, a gente vai cagar e andar pros colegas de rebanho. É o nosso jeito. O teatro automático, a coca cola e o trânsito. Da modernidade ninguém passa.
O novo tá esgotado. Nosso negócio é reciclar. Refazer os limites da mesma coisa.
Os anos 2000 são 3 zeros e um 2 recém nascido do lado de um cadáver, um segundo tempo absurdo num jogo que recém começou, um século que ainda não entendeu que não adianta saber de tudo, se não se sabe do nada.
Mas eu preciso dizer, antes que seja mais tarde, que não acredito no que eu digo, o que é bastante característico do tempo em que eu vivo. Eu não sou autor de nenhuma das frases que eu escrevo. Eu não sei se é possível escrever uma frase inédita, mas sei que é inútil. Seria apenas mais um cuspe no oceano.
Quer dizer que acabou. E é confortável pensar que acabou. É suficiente fazer o de sempre, até porque só existe o ar estritamente necessário pra continuar.

Palimpsesto

(Pablo Martins)

Arte longa
Vida breve
Escravo é você e você...

Não Quero Falar Demais

(Roberto Lacaze)

É Carnaval minha querida
Quero vestir a fantasia
Cicatrizar minha ferida
Vou esquecer a despedida

Tamanha desilusão
Não vai secar meu coração
Não vou mais falar da vida
Não quero falar demais

É Carnaval, não tem partida
Quero brincar na avenida
Eu vou brindar a alegria
Pra esquecer da quarta-feira

Nenhuma desilusão
Jamais vai secar meu coração
Não vou mais falar da vida
Não quero falar demais

Paz, saúde, samba e amor
É tudo que lhe peço
Meu Senhor

Não vou mais falar da vida
Não quero falar demais

Mande Notícias

(Pablo Martins)

Mande notícias do estrangeiro
Cartões postais, qualquer dinheiro
Mais um abraço forte
Que é pra dar certo, que é pra dar sorte
Mande as manchetes e as utopias
Versos manchados e fotografias
Uma saudade antiga
Pra que isso acabe e a gente prossiga

Quem vem lá, não sei não
Se é sul, se sertão
Quem vem na multidão
É poeta, é peão

Se sou eu farta do amor
Ou nossos filhos ao mar
Se vem chorar um cantor
Se um salvador vem sambar

Mande os pedaços do mundo inteiro
A nave na lua, o navio negreiro
Os gritos do ocidente
E algum silêncio que nos oriente
Fale do medo e das ruas fechadas
Traga a história e os camaradas
Um canto pra despedida
Pra ter coragem, pra ter fé na vida

Quem vem lá, não sei não
Se é norte ou nação
Quem vem na multidão
É Joana, é João
Quem vem lá, sei não
Vem meu pai, meu irmão
Quem vem na multidão
É baiana, é baião

Se sou eu feita do amor
São nossos homens ao mar
Valha-nos nosso senhor
Se um samba vem pra morar

João Ninguém

(Roberto Lacaze)

Segue
Vai apressado pro trabalho
Deixa
O seu suor no assoalho
Espera
Pelo aumento do salário
Pensa
No filho novo que está pra nascer no mês que vem

E pra enganar o coração
Enquanto espera inerte pelo trem
Tenta lembrar o velho samba que tocava por aí

E a vida
A gente vai levando
A gente vai levando

Sabe
Que será mais um João Ninguém
Olha
Será mais um João Ninguém?

E pra enganar o coração
Enquanto espera inerte pelo trem
Tenta lembrar o velho samba que tocava por aí

E a vida
A gente vai levando
A gente vai levando

18 agosto 2009

Oca das Letras

Na edição de Agosto de 2009 (Ano I - Nº4) da revista online Oca das Letras saiu uma matéria sobre a Sociedade Mambembe.

Para ver a matéria:
Oca das Letras - Florescência: Sociedade Mambembe


Para ver o site inteiro:
Oca das Letras

Samba do Fim

(Roberto Lacaze)

É bom poder estar na dança
Até o sol raiar pra mim
A noite já não é mais criança
E o samba vai chegando ao fim

Suave é o corpo que balança
Ninguém pode viver por mim
Não chore que a noite vai embora
Você pode sofrer assim

Posso até morrer
Se o sol nascer
E o samba terminar enfim

O povo foi embora já é hora
A festa já chegou ao fim
Ninguém pode viver só de memória
Ninguém vai ser feliz assim

Posso até morrer
Mas não vou me iludir
Ninguém pode sambar por mim

Porém sei que a tristeza também tem fim
E a alegria vai voltar assim
Que eu ver sair toda gente nas ruas
Irei sambar até o fim

Posso até morrer
Se o sol nascer
E o samba terminar enfim

Vitalícia

(Pablo Martins)

Não demora, amor, que agora
Outro mundo nos espera
Vou chegando cê me alcança
Outra vida nos acorda
Pra ver um sol mais firme de ser, estar
Ir, voltar, caminhar
Sobre ilhas, velhas maravilhas
Em nossa ocasião

Não espera, amor, que o mundo
Não demora nos alcança
Eu acordo e você chega
Bem agora nessa vida
Pra olhar um céu mais justo de ter pra dar
Melhorar, derramar
Sobre os trigos, velhos bons amigos
Em nossa plantação

Vem pelo destino, natureza do caminho
Eu sou fraca por vontade de viver
O que nos falta, falta

Mas sou viva, muito viva
Viva por demais
Eu olho lá de longe
Lá de cima, lá de trás
Já vi do pouco um tudo
Do tudo dar em nada
Tive vida dada a deus
A deus
Horas que eu presto muita atenção

Vem pelo destino, natureza do caminho
Eu sou livre por vontade de viver

Tudo vem pelo destino
Natureza do caminho
Destino, destino

16 agosto 2009

Morro do Samba Vivo

(Pablo Martins)

Eu corro e atravesso ruas
Às duas vou subir o morro
De lá eu vou pedir socorro
Pra deus abençoar
Nossa rotina desgastante
Nossos amores desgastados
E tantos sonhos adiados
E tanta vida adiante

Como é que eu vou dizer lá em casa
Que eu tenho outro mundo agora
Avisa alguém aí de baixo
Que a gente já ta indo embora

Pra nunca mais voltar pra casa
Eu vou voar o mundo afora
Põe o cadeado no portão
Que a gente já ta indo embora
Pra nunca mais votar pra casa
Eu vou voar o mundo afora
Um beijo no teu coração
Que a gente já tá indo embora

Eu me escondo da polícia
Sem precisar virar ladrão
É que os bandido da polícia
Tão no poder da situação
Caí na porta da igreja
Dormi com a pessoa errada
Perdi a conta da esperança
E fui barrado na entrada

Como é que eu vou dizer á em casa
Que eu tive que ficar de fora
Avisa alguém aí de baixo
Que a gente já ta indo embora

Pra nunca mais voltar pra casa
Eu vou voar o mundo afora
Põe o cadeado no portão
Que a gente já ta indo embora
Pra nunca mais voltar pra casa
Eu vou voar o mundo afora
Um beijo no teu coração
E um samba pela nossa história

07 agosto 2009

Sociedade Mambembe

A Sociedade Mambembe é uma banda de música popular brasileira. Seus integrantes se conheceram no 7º Festival de Música de Porto Alegre, em 2004, no qual Pablo Martins foi vencedor com a canção Morro do Samba Vivo, como melhor música e melhor letra. No ano seguinte, a canção Vitalícia foi uma das finalistas do 8º Festival de Música de Porto Alegre. Ambas as canções foram gravadas ao vivo, integrando os CD’s lançados nos respectivos festivais. Em maio de 2007, a partir de uma vontade compartilhada entre os amigos de investir numa sonoridade livre de classificações e, portanto, menos submetida a necessidades ordinárias de mercado, a banda gravou um "CD-demo" com 9 faixas. Este trabalho documentou as composições destes primeiros anos de existência, desde sua criação nos festivais de música até sua consolidação, através dos trabalhos posteriores com novas e crescentes composições e arranjos. Além disso, os membros da Sociedade se encontravam atraídos pelo prazer de tocar aos finais de semana, permitindo que a criatividade fosse um comprometimento coletivo, organicamente artístico e transformador das "velhas formas do viver"[1] - desde o cosmos doméstico de circulação criativa. A pretensão dos músicos era (e é), em suma, dar vivacidade – e liberdade – a criações compostas por diversos instrumentos, vozes e experiências poéticas tendo como o único consenso de critério fazer música (ou arte!) com alma.


A banda é composta por:

Pablo Martins – voz, violão
Nicole Barbosa – acordeon, pandeiro
Dayana Matos - voz
Beto Lacaze – violão, flauta
Léo Meira – baixo, guitarra
Paulo Pappen - baixo
Crys Fé – bateria


[1] - Citação de trecho da canção “Tempo Rei”, de Gilberto Gil.



Capa do "CD-demo" de 2007, com 9 faixas.