04 setembro 2009

O Aquário

(Paulo Pappen)

daqui eu vejo os prédios de frente pro rio
mas não vejo o rio
vejo também os prédios que apontam o céu
mas não vejo o céu
eu sei que o rio vai pro mar
mas não sei onde o mar vai
sei também que o céu pinta o mar de azul
ou de cinza
mas não sei se não é o mar que dá cor ao céu
assim como o sol dá cor à mulher
e a mulher dá cor ao homem

o rio tem ilhas como o prédio tem salas
mas as ilhas são barquinhos
encalhados pelo tempo
enquanto as salas são gavetas
num armário reciclável
e quando o rio crescer e inchar
como alguém com problema de rim
o prédio vai virar ilha
e as ilhas vão ser Titanics
cidades onde os peixes brincam de gente

aí o rio vai juntar com o mar
e o sal vai sair na torneira
as janelas de frente pro rio
vão virar escotilhas
e bêbado de esgoto e óleo
o riomar vai entrar em coma

a polícia vai ser chamada
e a ambulância e a política
e a professora de biologia
e o engenheiro da história pública
e todos vão poder dizer
que era de se esperar
que até a Bíblia já previa
e que finalmente
entramos na Era de Aquário

Um comentário:

  1. A pedrada no aquário

    mas hoje não
    daqui eu vejo o sol e o sol me faz ver o rio
    e os proletários com seus jetskis
    e os semteto nos barcos a vela
    e as belas sereias
    contando dinheiro
    nos bancos de areia

    das margens os peixes pescam gente
    usando relógios como isca
    e as gaivotas passam voando
    levando petróleo pro céu
    onde deus ficou empenhado
    numa curva duma nuvem

    as ilhas são como feridas
    na pele sensível do rio
    e o cheiro de podre é das flores
    pintadas com cores atômicas
    fingindo inocência no caos

    caos correnteza do rio
    que é lento nos olhos do homem
    e veloz no olhar mulher
    caos raso de olheiras e tédio
    caos fundo de um sono eterno

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