(Paulo Pappen)
daqui eu vejo os prédios de frente pro rio
mas não vejo o rio
vejo também os prédios que apontam o céu
mas não vejo o céu
eu sei que o rio vai pro mar
mas não sei onde o mar vai
sei também que o céu pinta o mar de azul
ou de cinza
mas não sei se não é o mar que dá cor ao céu
assim como o sol dá cor à mulher
e a mulher dá cor ao homem
o rio tem ilhas como o prédio tem salas
mas as ilhas são barquinhos
encalhados pelo tempo
enquanto as salas são gavetas
num armário reciclável
e quando o rio crescer e inchar
como alguém com problema de rim
o prédio vai virar ilha
e as ilhas vão ser Titanics
cidades onde os peixes brincam de gente
aí o rio vai juntar com o mar
e o sal vai sair na torneira
as janelas de frente pro rio
vão virar escotilhas
e bêbado de esgoto e óleo
o riomar vai entrar em coma
a polícia vai ser chamada
e a ambulância e a política
e a professora de biologia
e o engenheiro da história pública
e todos vão poder dizer
que era de se esperar
que até a Bíblia já previa
e que finalmente
entramos na Era de Aquário
A pedrada no aquário
ResponderExcluirmas hoje não
daqui eu vejo o sol e o sol me faz ver o rio
e os proletários com seus jetskis
e os semteto nos barcos a vela
e as belas sereias
contando dinheiro
nos bancos de areia
das margens os peixes pescam gente
usando relógios como isca
e as gaivotas passam voando
levando petróleo pro céu
onde deus ficou empenhado
numa curva duma nuvem
as ilhas são como feridas
na pele sensível do rio
e o cheiro de podre é das flores
pintadas com cores atômicas
fingindo inocência no caos
caos correnteza do rio
que é lento nos olhos do homem
e veloz no olhar mulher
caos raso de olheiras e tédio
caos fundo de um sono eterno