21 agosto 2009

Os Anos Zero

(Paulo Pappen)

O Século 21 é o irmão mais novo do Século XX. O Século 21 tem apenas 9 anos, e está sozinho no tempo que começou com ele. Foi há apenas 9 anos que Deus zerou o cronômetro e disse “Já”, dando início a mais uma corrida de 100 anos.
O Século 21, diria o pastor da minha igreja, o Século 21 somos nós.
Uma criança que recém começou a acreditar nos adultos, e que recém começou a perder palavras. Nosso modelo ainda é o Século XX, o mano mais velho, herói revolucionário, que cumpriu seu destino e não está mais entre nós. Além disso, perdemos o nosso pai, o Primeiro Milênio, que também morreu no momento em que nascemos.
O fantasma do mano Século XX ainda nos assombra.
“Não precisa ter medo”, ele diz. “Não precisa te sentir culpado pela minha morte. Nem pela do pai. Te preocupa com a tua”
Eu faço de conta que não é comigo e ele continua falando:
“A gente só precisa abrir a cabeça e escutar o que a mãe diz”
Eu gosto desse conselho e espero que o fantasma continue, mas ele some e eu fico aqui viajando.
A vida é uma mãe eterna que fala por todos os poros. A vida é mãe de todos, inclusive de Deus, seu filho mais velho, e também o mais puxa saco. Deus resolveu escrever um romance infinito em homenagem à mamãe, e nos botou todos como personagens. Ele na verdade está escrevendo um livro sobre si mesmo, mas ele é tão bom escritor (sou obrigado a reconhecer) que ele é o único personagem que não aparece. Só aparece através dos outros, quando alguém fala nele, como eu estou fazendo agora.
A vida chega pra nós e diz:
“Não dá bola pro teu irmão, mas presta atenção no que ele fala. O espelho é um falso conselheiro, mas o conselheiro é um falso espelho”
Eu ouço essas coisas e não entendo. Fico por aí vivendo, contando os dias pro pagamento. Aí eu pago as contas, bebo, penso que sou um escravo e boto a culpa nos outros.
A culpa é uma bosta. Uma rua de bosta por onde todo mundo anda. Alguns tem sapatos e conseguem disfarçar a porcaria, mas outros andam descalços e a merda da culpa já faz parte da pele desse pessoal. Essa rua é feita também por outro tipo de merda, o medo. Ninguém sabe onde a rua vai dar, e a caminhada não é fácil pra ninguém, mas a gente continua. Sempre que possível, eu faço uma cara cínica e venho escrever sobre o infinito.
Todo tempo contém todos os tempos, digo eu, no dia 9 do 9 do 9. Sempre que abro os olhos eu vejo a fila de tempos fantasmas crescer como uma onda gigante. Sinto que sou parte da onda e relaxo curtindo a maresia.
O futuro não é novidade. A gente sabe de tudo, mas em vez de fazer do mundo um lugar melhor, a gente vai cagar e andar pros colegas de rebanho. É o nosso jeito. O teatro automático, a coca cola e o trânsito. Da modernidade ninguém passa.
O novo tá esgotado. Nosso negócio é reciclar. Refazer os limites da mesma coisa.
Os anos 2000 são 3 zeros e um 2 recém nascido do lado de um cadáver, um segundo tempo absurdo num jogo que recém começou, um século que ainda não entendeu que não adianta saber de tudo, se não se sabe do nada.
Mas eu preciso dizer, antes que seja mais tarde, que não acredito no que eu digo, o que é bastante característico do tempo em que eu vivo. Eu não sou autor de nenhuma das frases que eu escrevo. Eu não sei se é possível escrever uma frase inédita, mas sei que é inútil. Seria apenas mais um cuspe no oceano.
Quer dizer que acabou. E é confortável pensar que acabou. É suficiente fazer o de sempre, até porque só existe o ar estritamente necessário pra continuar.

7 comentários:

  1. Obrigado, Paulo henrique.

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  2. É sempre bom lembrar
    Que um copo vazio
    Está cheio de ar

    (Gilberto Gil)

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  3. Não...
    Ainda que o cuspe advenha de um organismo exaurido ou de uma história recalcitrada, o Oceano nunca é o mesmo...
    (Daya)

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  4. Dizem que, na verdade, o que acabou ontem não foi o Primeiro Milênio, e sim o Segundo Milênio. Portanto a gente ta no Terceiro Milênio, o que é mais emocionante ainda, porque o número 3 é muito mais foda que o 2, cabalisticamente falando. O terceiro é a síntese da relação entre o primeiro e o segundo. É, portanto, um Primeiro também.

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  5. ... e agora é tarde parar para ficar num silêncio absurdo; destino é trabalhador..

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  6. Descobri que este texto aí é, na verdade,um pedaço de um texto um pouco maior chamado "O escritor".(ou outro nome. não sei bem) O texto é engraçadíssimo e profundamente triste. Tristeza e graça de mãos atadas,um negócio sinistro. Me lembrou uma amiga antiga, que chorava de tanto que ria. Me lembrou também um amigo dado por louco, que num dia triste de chuva chorou tanto e tanto que acabou se cagando todo e teve um ataque de riso. Então, tá dada a dica; quem já terminou de ler "O universo em desencanto", começe a ler "O escritor"... e vcs saberão a verdade e a vida.

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  7. Ah, e depois é só depositar o dízimo na conta do sr. paulo pappen, que é 22.499- 15.

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